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Jazz em Portugal: a nova geração improvisa

Jazz em Portugal: a nova geração improvisa

Jazz em Portugal

a nova geração improvisa

02

OCTUBRE, 2022

Texto: Nuno Catarino

Fotografía: Marcia Lessa

Quando pensamos na música de Portugal será inevitável pensar em fado, uma música lamentosa, triste e pungente. Contudo, a música portuguesa contemporânea é bem mais diversa e neste momento o mundo do jazz e da música improvisada está particularmente vivo.

Sem grande tradição histórica de jazz, em Portugal só a partir da década de 1990 é que começaram a afirmar-se músicos de jazz que ganharam espaço mediático, alcançado até algum reconhecimento internacional – particularmente o pianista Mário Laginha, a cantora Maria João e o contrabaixista Carlos Bica. Já no início do século XXI, o panorama jazz cresceu de forma exponencial. 2001 marcou o início do primeiro curso superior de jazz em Portugal, o que impulsionou uma nova geração de músicos, mais qualificado e com bases mais sólidas.

André Asantos 

Susana Santossilva

Gabriel Ferrandini

Desiderio Lazaro

Luis Figueiredo

Joao Mortagua

Cesar Cardoso

Um momento fundamental de mudança foi o surgimento de uma nova editora, a Clean Feed, que a partir de Lisboa começou a um reunir um catálogo discográfico de nível mundial, assumindo-se como um dos canais mais importantes para a edição de jazz contemporâneo do mundo no século XXI. Liderada pelo imparável Pedro Costa, a editora abraça um leque de propostas musicais esteticamente alargado, desde formas de jazz mais tradicionais até improvisação e exploração sem fronteiras. Passados vinte anos, a editora já publicou mais de 600 discos, incluindo gravações de nomes lendários como Antony Braxton, Evan Parker, Joe McPhee e do recentemente falecido Pharoah Sanders (duas gravações de Pharoah and The Underground, registados ao vivo em Lisboa). 

Se a editora Clean Feed tem tido sobretudo reconhecimento pela edição de projetos internacionais (vários americanos e muitos europeus, com destaque para os nórdicos), a editora também tem dado atenção à produção portuguesa; no catálogo fazem parte registos de mestres pianistas como Bernardo Sassetti (génio que faleceu demasiado cedo, em 2012), João Paulo Esteves da Silva e Mário Laginha, além de outros músicos consagrados como Rodrigo Amado (saxofone), Carlos Barretto (contrabaixo), Sei Miguel (pocket trumpet), Zé Eduardo (contrabaixo), João Lencastre (bateria) ou Mário Delgado (guitarra); a editora foi também importante para dar visibilidade a jovens músicos que se afirmaram neste século, como a trompetista Susana Santos Silva, o baterista Gabriel Ferrandini, a cantora Sara Serpa e o saxofonista Ricardo Toscano.

Alguns dos discos mais marcantes do catálogo da editora Clean Feed resultaram de gravações de concertos ao vivo em Portugal, como por exemplo “Live In Lisbon” de Otomo Yoshihide’s New Jazz Quintet (2005), “4 Corners” de Adam Lane, Ken Vandermark, Magnus Broo e Paal Nilssen-Love (2007), “Scenes at the House of Music” de Evan Parker, Barry Guy, Paul Lytton e Peter Evans (2010) e “Live In Lisbon” de Peter Evans Quartet (2010).

O trabalho da Clean Feed foi sendo complementado com outras editoras, que foram dando espaço a outros grupos e músicos, particularmente Tone of a Pitch, Sintoma Records, Carimbo Porta-Jazz, JACC Records, Nischo e Creative Sources (esta dedicada exclusivamente improvisação livre).

Joao Barradas

Sara Serpa

Rira Maria

Ao assistir ao aparecimento de uma nova geração de músicos, decidi publicar, em novembro de 2019, o livro “Improvisando: a nova geração do jazz português”, em parceria com a fotógrafa Márcia Lessa (edição Hot Clube de Portugal). Neste livro foram reunidas entrevistas a 14 músicos: além de Santos Silva, Ferrandini, Serpa e Ricardo Toscano, foram ainda entrevistados João Barradas (acordeão), Pedro Branco (guitarra), Desidério Lázaro (saxofones), Rita Maria (voz), João Hasselberg (contrabaixo), João Mortágua (saxofones), Pedro Melo Alves (bateria), Luís Figueiredo (piano), César Cardoso (saxofones) e André Santos (guitarra). Estes músicos acabam por ser representativos desta geração (sub-40) que tem marcado o jazz português neste início de século.

Passado pouco tempo da edição do livro, já estamos a assistir a uma outra geração, de músicos ainda mais jovens (sub-30), que se tem afirmado com qualidade técnica e criatividade; Tomás Marques, Nazaré da Silva, João Almeida, Miguel Meirinhos, Diogo Alexandre, Joana Raquel, Bernardo Tinoco, Estela Alexandre e Hristo Goleminov são alguns exemplos destes músicos que têm ganho crescente visibilidade. 

O jazz faz-se sobretudo ao vivo e em Portugal existe um dos clubes de jazz mais antigos do mundo, o Hot Clube de Portugal. O histórico clube de Lisboa existe há mais de 70 anos, sempre com uma programação regular, sobretudo com músicos portugueses (sofreu um incêndio em 2009, mas reabriu dois anos depois). Em Lisboa, o jazz continua vivo, sobretudo em jam sessions (em clubes como O Bom o Mau e o Vilão ou Titanic Sur Mer), além de concertos que são programados pontualmente. Um outro espaço importante é a Galeria ZDB que, não sendo dedicada ao jazz, apresenta muitos concertos de jazz criativo e música improvisada. Outros espaços, mais pequenos, têm promovido sessões de improvisação livre (como têm feito os espaços Cossoul e Cosmos). 

Além de Lisboa, também o Porto tem assistido a crescimento efervescente da cena jazz nos últimos tempos. A associação Porta-Jazz, sobretudo impulsionada pela energia do saxofonista João Pedro Brandão, tem promovido no Porto uma programação regular de concertos, além de organizar anualmente um grande festival e de ter uma vertente editorial, o Carimbo Porta-Jazz. Também no Porto, a Sonoscopia tem sido uma instituição na promoção de eventos de improvisação livre. Fora das grandes cidades, há alguns clubes que promovem concertos jazz com regularidade; por exemplo, em Coimbra, o Salão Brazil tem dado algum destaque ao jazz na sua programação. 

 

São vários os festivais de jazz que têm desenvolvido programação interessante e atenta, ao longo da sua história. Os mais importantes atualmente são os festivais Jazz em Agosto (Lisboa), Guimarães Jazz, Jazz ao Centro, AngraJazz (Açores), Funchal Jazz (Madeira), SeixalJazz e Festival Porta-Jazz (Porto). Ao mesmo tempo, são cada vez mais os pequenos festivais que têm apresentado concertos um pouco por todo o país.

Em Portugal estamos a assistir ao aparecimento de cada vez mais músicos com talento, uma nova geração que se quer afirmar, mas existe um enorme problema: com poucos espaços para tocar, e pouco público, não existem oportunidades para todos. Apesar das dificuldades, a fartura de talento, que todos os dias nos surpreende, só nos pode dar esperança.

Ricardo Toscano

Pedro Meloalves 

Pedro Branco

Written by Nuno Catarino

Octubre 02, 2022

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